De acordo com o Balanço Energético Nacional divulgado pelo Ministério de Minas e Energia neste ano, a matriz elétrica brasileira é composta, majoritariamente, por fontes renováveis, que somam 84,8% da oferta interna de eletricidade. Segundo o estudo, a principal fonte atualmente é a hidráulica, responsável por 65,2% da oferta interna de energia elétrica do país. Entretanto, na prática, as usinas hidrelétricas acabam dependendo da água dos rios e, se não chove o suficiente, a geração é prejudicada.
As outras fontes, de acordo com dados do Ministério, são: biomassa (9,1%), eólica (8,8%), gás natural (8,3%), carvão e derivados (3,1%), nuclear (2,2%), solar (1,66%) e derivados de petróleo (1,6%).
O professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico – GESEL, explica que, durante oito anos da última década, choveu abaixo da média histórica no período úmido, que vai de dezembro até maio.
Para o professor, as origens deste problema estão relacionadas ao meio ambiente. “A primeira está associada ao aquecimento global, derivado da emissão dos gases de efeito estufa, que estão alterando em escala mundial todas as condições climáticas e intensificando a frequência e os impactos das adversidades: incêndios, secas, tempestades etc.”, pontua.
“Outra hipótese é de cunho e responsabilidade nacional: o descaso em relação à defesa da Floresta Amazônica. As queimadas, o desmatamento e avanço da fronteira agrícola, estão reduzindo o nível de umidade responsável pelas chuvas da região Sudeste e Centro-Oeste. Em suma, as origens da crise hídrica são em grande medida de caráter ambiental e climático”, considera.
O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), órgão que controla a operação das instalações de empresas de geração e transmissão de energia, aponta que esta escassez de chuva é a pior no país considerando os últimos 91 anos. Em janeiro, os reservatórios registraram 32% de armazenamento, segundo o Ministério de Minas e Energia. Percentual que já anunciava o início da crise de 2021.
Para o funcionamento das hidrelétricas, é importante que haja vazão média suficiente nos rios. A bacia do Rio Paraná, por exemplo, que é uma das mais importantes, está com a vazão abaixo do ideal.
Este rio é o décimo maior do mundo em vazão, drenando boa parte do centro-sul da América do Sul, incluindo parte de cinco estados do Brasil. Sua bacia hidrográfica abrange mais de 10% de todo o território brasileiro, segundo informações da hidrelétrica Itaipu.
A hidrelétrica fornece 10,8% da energia consumida no Brasil e 88,5% no Paraguai. Para que se tenha uma ideia, o Brasil teria que queimar 536 mil barris de petróleo por dia para obter em plantas termelétricas a mesma produção de energia de Itaipu. Entretanto, esta não é a maior hidrelétrica do país. O posto é da Usina Hidrelétrica Belo Monte, instalada no rio Xingu, no Pará. A estrutura possui capacidade instalada de 11.233,1 MW e quantidade média de geração de energia de 4.571 MW.
Junto com o reservatório intermediário, a área alagada do empreendimento totaliza 478 quilômetros quadrados. Ambos os reservatórios estão situados entre os municípios de Altamira, Brasil Novo e Vitória do Xingu. A área de abrangência da usina ainda contempla outros dois municípios: Anapu e Senador José Porfírio.
Mesmo com hidrelétricas de grande magnitude, a crise hídrica afeta diretamente a produção de energia no Brasil e pesa no bolso dos consumidores. Devido à escassez de chuvas, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) anunciou aumentos na bandeira tarifária da energia elétrica do país. Na prática, a conta de luz ficou mais cara.
No final de junho, o valor da bandeira vermelha patamar 2 subiu 52%, passando a R$ 9,492 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. As bandeiras amarela e vermelha patamar 1 também tiveram aumentos.
Em setembro, outra medida encareceu a conta de luz: foi criada a Bandeira Tarifária Escassez Hídrica, que fica em vigor até abril de 2022. Com a nova medida da agência, a cobrança passou a ser no valor de R$ 14,20 a cada 100 kWh consumidos. A decisão, porém, isenta os consumidores beneficiários da Tarifa Social.
Em nota, a ANEEL justifica a criação da medida que encarece a conta de luz. “Em razão do cenário de escassez hídrica atual – o pior em 91 anos –, foi criada pela Medida Provisória nº 1.055/2021 a CREG (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética)”.
Segundo a agência, a CREG visa “fortalecer a governança para o enfrentamento da escassez hídrica vivenciada no país em 2021, estabelecendo, assim, a articulação necessária entre os órgãos e entidades responsáveis pelas atividades dependentes dos recursos hídricos. Dessa forma, espera-se que as medidas excepcionais que se façam necessárias possam ser implementadas, garantindo sua efetividade no aumento da garantia da segurança e continuidade do suprimento de energia elétrica no país”.
Desde 2015, as contas de luz passaram a considerar o Sistema de Bandeiras, composto pelas modalidades: verde, amarela e vermelha. Essas cores indicam se haverá ou não valor a ser repassado ao consumidor final em função das condições de geração de eletricidade.
“É preciso esclarecer à população que as bandeiras não são uma taxa extra. O consumidor sempre pagou pelo acionamento das usinas termelétricas. A diferença é que, antigamente, esse custo vinha de uma vez só, e com juros, quando eram reajustadas as tarifas da distribuidora local para refletir o maior acionamento das usinas térmicas”, detalha também a ANEEL.
No auge da crise hídrica e energética, o presidente Jair Bolsonaro fez um apelo à população: economizar energia para evitar “problemas” futuros, caso a escassez de chuvas continue afetando o Brasil.
“Se tiver uma luz acesa na sua casa agora, por favor apague. Estamos vivendo a maior crise hidrológica dos últimos 90 anos. Se puder apagar uma lâmpada da casa, apague. Se puder desligar seu ar-condicionado…”, citou o presidente, em uma live semanal.
Outro “conselho” aos brasileiros foi evitar o uso de elevadores, também visando a economia de energia.
Por sua vez, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também pediu economia de água e de energia em um de seus pronunciamentos. Ainda faz parte do apelo que a população reduza o uso do chuveiro elétrico, do ferro de passar roupa e do ar-condicionado.
“Com pouca água nos reservatórios das hidrelétricas, tivemos que aumentar a geração de energia nas nossas termelétricas e estamos importando energia de países vizinhos como todos os recursos mais baratos já estavam sendo utilizados esta eletricidade adicional”, explicou o ministro.
Ainda assim, em junho, Albuquerque afirmou que o Ministério não trabalha com a hipótese de racionamento de energia elétrica no país. “Tanto governo quanto a sociedade têm que fazer a sua parte e fi car consciente da situação hídrica e o importante uso racional de água e energia”, enfatizou.
Para o enfrentamento à crise, segundo o ministro, o governo preparou um plano com cerca de 40 ações, com vistas à garantia da segurança e à continuidade do suprimento de energia elétrica para 2021 e 2022.
O Ministério e o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) informaram ainda que têm adotado, desde outubro de 2020, medidas como o acionamento de geração termelétrica adicional, importação de energia elétrica do Uruguai e da Argentina e, desde dezembro de 2020, realiza uma campanha de uso consciente de água e energia.
Ainda assim, há quem diga que a crise é resultado de má gestão. Em agosto, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados promoveu um debate a respeito da crise energética do país.
Na ocasião, alguns dos participantes afirmaram que os sucessivos aumentos na conta de luz do brasileiro não decorrem da falta de chuvas, mas de má gestão dos reservatórios das usinas hidrelétricas.
Na ocasião, esteve presente no debate o ex-diretor-presidente da ANA (Agência Nacional de Águas), Vicente Andreu, que defendeu a tese de que a crise hídrica atual resulta de uma “ação irresponsável” do ONS. Ele também avalia que o órgão deveria ter acionado as termelétricas mais cedo, a fim de reduzir os impactos da falta de chuva nos reservatórios das hidrelétricas.
“O ONS aumentou sistematicamente, mês a mês, mesmo as chuvas não chegando, a operação da geração hidráulica no Brasil, e reduziu, de maneira irresponsável, a geração térmica, provocando artificialmente um esvaziamento dos reservatórios”, observou Andreu. “É um padrão que leva à fabricação artificial de crise no final do período chuvoso, gerando uma explosão de tarifas”.
Por sua vez, o mestre em energia Gilberto Cervinski, que representou o MAB (Movimento dos Atingidos elas Barragens) no debate, também questionou a gestão dos reservatórios. “O resultado disso é o aumento na conta de luz do povo.”
Segundo o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico – GESEL, é essencial que haja diversificação da matriz elétrica brasileira. De acordo com o especialista, a medida vem sendo realizada por meio da política e planejamento energético do país, a longo prazo.
“Em 2001, as usinas hidroelétricas representavam 90% da matriz e em 2021 caiu para pouco mais de 60%, com o aumento das fontes eólicas, termoelétricas, biomassa e solar. Assim, a cada ano, a dependência das chuvas vai reduzindo, de tal maneira que as projeções da EPE (Empresa de Planejamento Energético) estimam que chegaremos em 2031 com menos de 50% de usinas hidroelétricas na matriz”, avalia o professor.
“O mais importante é evitar a interferência política de interesses partidários e econômicos, como foi o caso exemplar, no mau sentido, de condicionantes e privilégios que foram incluídos na lei da Privatização da Eletrobras, como a obrigação de construção de 8 GW de usinas termoelétricas, incluso em cidades que não têm gasodutos, decisão que entra em choque e contradição com um elemento ultra importante do setor elétrico que é o planejamento realizado pela EPE”, ressalta.
Caso isso não ocorra, a crise vai continuar pesando no bolso dos consumidores. “O lado amargo da crise é o aumento das tarifas por conta da necessidade imperiosa de acionamento das usinas termoelétricas que são muito mais caras, obrigando um pagamento extra de bandeiras tarifárias. Este desdobramento tarifário deve se manter até, no mínimo, maio de 2022 com a possibilidade de se estender, dado que a situação dos níveis dos reservatórios é crítica e deverá se manter assim até fins de 2022”, avalia também Nivalde.
O diretor da ANEEL, Sandoval Feitosa, também compartilha do mesmo posicionamento. Em um debate sobre as potencialidades de energia renovável no Brasil, o executivo destacou o crescimento da energia eólica e solar na matriz brasileira. “A diversificação é a solução para a menor dependência da matriz hídrica”, afirmou.
Como exemplo, o diretor disse que, na geração centralizada, as usinas solares somam 3,8 GW de potência instalada e, na geração distribuída, 7 GW em 620 mil micro e minigeradores fotovoltaicos conectados ao sistema elétrico brasileiro.
Feitosa ainda lembrou que os municípios onde estão instaladas usinas eólicas tiveram um crescimento muito superior aos demais, impulsionando a economia local. Segundo o diretor, entre 2010 e 2016, houve um acréscimo de 164% no PIB das cidades com eólicas frente a um crescimento de 79% nas demais localidades.
“Se tivermos políticas públicas adequadas, poderemos transformar o Polígono das Secas, no Nordeste, em que há grande potencial de energia eólica e solar, no novo Eldorado do Sol e do Vento”, citou.
Por sua vez, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, mencionou a energia nuclear como alternativa, durante uma audiência pública na CME (Comissão de Minas e Energia) da Câmara dos Deputados.
Na ocasião, Albuquerque lembrou que está prevista uma expansão de 15 gigawatts na geração nuclear do país para os próximos 30 anos. “A energia nuclear vai ter um papel importante para a transição energética. Será uma fonte energética para descarbonização e para o processo de eletrificação que o mundo passa hoje”, declarou.
Em agosto, por 476 votos a 3, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de Lei 5.829-A, de 2019, que institui o MMGD (Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída) no Brasil. O projeto ainda segue para o Senado e, posteriormente, para sanção do presidente Jair Bolsonaro.
Entre os principais benefícios do marco legal para a diversificação na matriz energética brasileira está a possibilidade de contratação, pelas concessionárias de energia, de serviços suplementares prestados pelos micro e minigeradores, mediante remuneração conforme regulação da ANEEL.
“Para o biogás, isso é excelente, pois essa fonte é despachável e pode prover diversos serviços ancilares para a rede, bem como suportar a constituição de microrredes, também definido pelo projeto de lei”, avalia Rogério Meneghetti, da Divisão de planejamento de Infraestrutura da Itaipu.
A empresa é uma das instituições mantenedoras do CIBiogás (Centro Internacional de Energias Renováveis e Biogás), que tem sede no Parque Tecnológico Itaipu, e desenvolve diversos projetos nas áreas de gestão de resíduos orgânicos, produção de biogás, eficiência energética, redução de custos e expansão das energias renováveis no País.
O biogás possui vantagens em relação a outras fontes de energia. Por exemplo, comparado à energia solar, há maior capacidade de produção, uma vez que esse tipo de geração depende da luminosidade do sol disponível.
Além disso, para gerar energia solar, o custo de manutenção e operação é menor, mas a disponibilidade é limitada, o que
pode afetar a receita. Portanto, neste aspecto o biogás também acaba sendo mais vantajoso.
Em geral, o biogás pode ser utilizado de três formas: para geração de energia elétrica, térmica (caldeiras industriais), ou para refinar o biogás e transformá-lo em biometano para abastecer veículos.
Na visão do diretor presidente do CIBiogás, Rafael González, existe alta disponibilidade de fontes para a produção do biogás. Isso porque a produção é feita a partir da decomposição de uma matéria orgânica.
Ele é composto em aproximadamente 70% por metano, que é uma molécula do próprio biogás que tem alto índice de energia, assim como o gás natural, por exemplo, ou até mesmo o gás de cozinha. Essa energia é em quantidade suficiente para que a gente possa rodar equipamentos, como por exemplo um gerador de energia, da mesma forma como funciona o gerador a diesel. A gente insere o biogás no gerador e ele gera energia elétrica, a energia do gás é transformada em energia elétrica e é enviada à rede de uma propriedade ou à rede de distribuição de energia”, detalha também.
Segundo o diretor, são várias as fontes de matéria orgânica. Entre elas, estão resíduos sólidos urbanos e do agronegócio. Esse material é confinado em um reservatório sem ter oxigênio. Assim, as bactérias o transformam em gás metano, ou seja, a energia para fazer funcionar equipamentos.
Na prática, a “matéria-prima” do biogás pode ser lixo, esgoto e resíduos existentes em uma área rural, como dejetos de animais e resíduos de agroindústrias, por exemplo. Atualmente, entretanto, o modelo pensado no Brasil é de coletar todo o resíduo e levar para uma central para fazer o tratamento, como um lixão ou aterro.
O diretor presidente do CIBiogás afirma que o mercado de biogás está crescendo em torno de 22% ao ano. “Nós temos hoje capacidade de produzir 84 bilhões de metros cúbicos de gás, mas o Brasil utiliza apenas 2% desse potencial. Aproximadamente, 80% do que a gente já utiliza vai para energia elétrica”, explica.
Entretanto, González afirma que a capacidade de expansão é muito grande, mas ainda é preciso ter mais segurança jurídica e regulatória para que os investimentos possam acontecer de forma mais expressiva.
O desafio hoje está em dois aspectos, segundo o diretor presidente: regulação e financiamento. Há recursos nos bancos, mas estas instituições, segundo González, exigem garantias reais, documentações que nem sempre o produtor tem condições de apresentar.
“Isso cria dificuldade de alavancar recursos para investir no biogás. Além disso, se tem uma necessidade de uma melhor estruturação de uma cadeia produtiva do biogás, para dar suporte às operações que ocorrem”, avalia.
Na prática, atualmente, os municípios pagam duas contas: a de energia e a do gerenciamento de resíduos sólidos. Portanto, este modelo resolveria dois “problemas” de forma sustentável, inclusive financeiramente.
“Com isso, seria possível criar um processo de economia de energia e conseguir recursos para pagar o investimento próprio que a Prefeitura possa fazer dentro do município em um aterro sanitário por exemplo. A gente já conhece, no mercado, iniciativas privadas que utilizam a gestão dos resíduos para empreendimentos absolutamente privados, remunerando a Prefeitura, por meio de uma PPP (Parceria Público-Privada)”, detalha González.
“No ambiente rural, as propriedades são privadas e esse modelo já está mais avançado, justamente porque tem maior velocidade para poder desenhar os investimentos. Tanto no âmbito privado quanto público, os dois modelos ocorrem”, pontua também.
Por fim, González ressalta que o biogás já é gerado nos aterros sanitários que existem no país. Portanto, é inadmissível que ele não seja aproveitado para a geração de energia. Assim, é preciso estabelecer planos de investimento para tornar este tipo de projeto cada vez mais uma realidade no país, garantindo a diversificação na matriz energética.
Fonte: Prefeitos e Gestores – Ano XIII – Edição 74 – 2021
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