O Brasil testemunhou nos últimos cinco anos o surgimento e a aceleração de projetos voltados à modernização da iluminação pública (IP) municipal. A fonte propulsora desse movimento foi a Resolução 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que determinou a transferência dos ativos de iluminação pública para o poder público municipal.
Esse indício de modernização das cidades brasileiras incitou um forte debate acerca das cidades inteligentes (smart cities) – uma vez que as tecnologias voltadas para iluminação pública poderiam ser capazes de conferir maior eficiência energética e equipar o município com ferramentas de gestão e monitoramento urbano mais modernas. Mas, o debate acerca das cidades inteligentes, apesar de intenso e oportuno, ainda é incipiente em relação a aspectos práticos, pois o conceito é muito vasto e subjetivo, o que impossibilita a adoção de referências externas.
Já é possível observar que os recursos como sensores de estacionamento, câmeras de segurança, redes wi-fi e suas aplicações estão no processo de desenvolvimento e melhoria com um ritmo similar ao dos aplicativos desenvolvidos no Vale do Silício. Diante desse cenário, dois desafios se apresentam aos gestores públicos que pretendem modernizar a iluminação municipal: 1) ser capaz de avaliar as diferentes tecnologias voltadas para a gestão eficiente das cidades e 2) tomar decisões de longo prazo, pressionados por uma conjuntura tecnológica de acelerada evolução.
Fato é que a administração pública, em especial os municípios de pequeno e médio porte, tem estrutura limitada para lidar com esses desafios e muito embora a Parceria Público-Privada (PPP) seja possivelmente o mecanismo contratual mais avançado nesse âmbito no Brasil, a sua aplicação, em um projeto de modernização de IP, se compatibiliza com conceitos de cidades inteligentes, mas não necessariamente viabiliza esse projeto.
As metodologias de modelagem de projetos de PPP bem-sucedidas tendem a considerar práticas consolidadas e reconhecidas em um ambiente dinâmico e altamente ancorado em inovações tecnológicas, como é o caso da iluminação pública. Mas, a identificação de técnicas solidificadas ainda é um desafio, neste segmento. Existem atualmente poucos contratos de parcerias público-privadas de iluminação em vigência no Brasil, o que significa que essa amostra ainda é pouco representativa.
Mesmo com esse cenário, é importante ressaltar a necessidade e oportunidade de assegurar investimentos para a reestruturação da IP municipal, ainda que as sinergias com aplicações de cidades inteligentes sejam mais bem conhecidas e exploradas no futuro. O caminho para o avanço das cidades inteligentes exigirá uma interface muito mais complexa com várias dimensões da administração pública municipal: segurança pública, mobilidade urbana, saúde, educação, saneamento, dentre outros. Portanto, compreender as PPPs de IP como a própria estratégia de smart cities significa colocar em risco um modelo contratual que foi concebido para viabilizar a modernização do sistema de iluminação pública municipal.
Nesse panorama, é recomendável que se entendam as parcerias público-privadas de IP como iniciativas para solucionar, prioritariamente, as questões de melhoria para qual foi criada. A partir dos contratos em vigência, será possível observar avanços e inovações que podem ser aprimorados em futuras modelagens.
Inclusive vários dos atuais contratos de PPP já admitem a possibilidade de se prestarem “serviços acessórios”, o que é uma condição prudente e inteligente para assegurar a inclusão dessas utilidades adicionais se o ambiente tecnológico, regulatório e econômico permitir. Esse modelo já tem apresentado uma boa aceitação nas discussões com grupos de investidores e operadores de infraestrutura do setor, por minimizar as variáveis de risco do projeto e concentrar a principal fonte de receita nos serviços de IP, a COSIP – Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública.
No atual estágio de desenvolvimento dos projetos de modernização dos parques de IP, as modelagens ousadas e otimistas em relação à incorporação de serviços e receitas complementares a partir da rede de IP, se tornam verdadeiras apostas, com alto grau de incerteza. Mas, diferente de outros agentes de mercado, a administração pública não pode se dar ao luxo de se comportar como investidor de alto risco, colocando a responsabilidade fiscal em risco. Em contrapartida, a agenda voltada para o desenvolvimento de cidades mais inteligentes e resilientes têm sido prioridade em diversas partes do mundo. Os municípios brasileiros devem participar ativamente desse movimento e, tanto quanto possível, criarem as condições para acelerar sua consolidação, mas um passo de cada vez para permitir que a modernização dos parques de iluminação pública tenha um final feliz.
Fonte: Estadão – Gustavo Gusmão, diretor executivo do Grupo de Governo & Infraestrutura da EY
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